STF julga acordo de desestatização entre União e Eletrobras
Fonte: Migalhas quentes
Nesta quinta-feira, 4, em sessão plenária, o STF voltou a analisar a homologação
do acordo firmado entre a União e a Eletrobras sobre os efeitos da
desestatização da companhia.
O julgamento havia sido interrompido em novembro de 2025, quando o
ministro Alexandre de Moraes apresentou pedido de destaque, retirando o caso
do plenário virtual e zerando o placar.
Ainda no final de novembro, o processo foi retomado em plenário físico para
a realização das sustentações orais.
Nesta tarde, os ministros iniciaram a votação.
O relator, ministro Nunes Marques, votou pela homologação integral do
acordo. Seu entendimento foi acompanhado pelos ministros André Mendonça,
Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
A divergência foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que votou pela
homologação apenas parcial do termo - especificamente do trecho que trata do
voting cap - por considerar juridicamente impossível que o STF analise
cláusulas do acordo que regulam efeitos concretos de negociações empresariais,
alheias ao objeto da ADIn.
A divergência foi seguida pela ministra Cármen Lúcia e pelos ministros Flávio
Dino e Edson Fachin.
Diante da ausência do ministro Luiz Fux, o julgamento foi suspenso e será
retomado na sessão da próxima quinta-feira, 11.
Veja o placar:
Entenda
A ação proposta pela Presidência da República questiona a constitucionalidade
de dispositivos da lei 14.182/21, que regulou a desestatização da Eletrobras.
O governo argumenta que a norma impôs à União um ônus desproporcional
ao limitar a 10% o poder de voto de qualquer acionista, mesmo quando o ente
público detém mais de 40% das ações ordinárias da empresa.
Na prática, o modelo retirou do governo a possibilidade de exercer influência
proporcional ao seu investimento, criando, segundo a petição inicial, uma
"desapropriação indireta dos direitos políticos da União".
A limitação, conhecida como voting cap, foi introduzida no processo de
privatização visando impedir que qualquer grupo concentrasse o controle
acionário da companhia.
Após sucessivas prorrogações de prazo, as negociações entre as partes foram
conduzidas pela CCAF - Câmara de Conciliação e Arbitragem da
Administração Federal.
Em fevereiro de 2025, foi formalizado o termo de conciliação 7/25, que prevê
ajustes de governança na Eletrobrás e na Eletronuclear, mantendo, porém, a
trava de 10% para o poder de voto da União.
Pelo acordo, o governo mantém a restrição, mas ganha direito de indicar três
dos dez assentos do Conselho de Administração e um no Conselho Fiscal da
companhia.
A Eletrobras, por sua vez, fica desobrigada de realizar novos aportes bilionários
na Eletronuclear, podendo inclusive alienar sua participação na empresa.
O termo também suspende o antigo Acordo de Investimentos entre Eletrobrás
e a ENBPar - Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e
Binaciona, que tratava do financiamento da Usina Nuclear de Angra 3, e
estabelece que as debêntures emitidas para o projeto de Angra 1 poderão ser
convertidas em ações, conforme critérios de desempenho da estatal nuclear.
Voto do relator
Ministro Nunes Marques votou pela homologação integral do termo de
conciliação 7/25 e para dar interpretação conforme à Constituição às alíneas a
e b do art. 3º, III, da lei 14.182/21 (questão do voting cap).
Para o relator, a controvérsia sobre o voting cap - que limita a 10% o poder de
voto da União na companhia - possui natureza concreta e casuística, pois
decorre de uma modelagem específica de desestatização aprovada pelo
Congresso. Por isso, entendeu que o controle abstrato não seria o instrumento
ideal para enfrentar o tema.
Nunes Marques enfatizou que o ajuizamento da ação pelo próprio Presidente
da República revela o caráter não abstrato da disputa, e que a solução
consensual construída na CCAF se mostra mais adequada do que uma decisão
judicial de impacto estrutural sobre o setor elétrico.
No entanto, destacou que o acordo respeita integralmente a lei 14.182/21,
preserva o voting cap e reequilibra a governança da empresa, garantindo à
União possibilidade de indicar membros para os conselhos.
Também ressaltou que o termo resolve disputas relacionadas à Eletronuclear e
ao projeto de Angra 3, trazendo estabilidade institucional e segurança jurídica.
Para o relator, a conciliação observou os limites da disponibilidade
administrativa, não violou interesses públicos indisponíveis e se alinha ao papel
do STF de fomentar soluções dialogadas em matérias de alta complexidade.
Concluiu, assim, que o acordo supera a controvérsia e que não subsiste interesse
no exame abstrato da constitucionalidade do dispositivo legal impugnado, sem
prejuízo de outras ações que discutem vícios legislativos da lei 14.182/21.
Divergência
Ministro Alexandre de Moraes abriu divergência parcial ao afirmar que o objeto
da ADIn é limitado às alíneas a e b do art. 3º, III, da lei 14.182/21.
Para S. Exa., trata-se de uma discussão abstrata de governança societária, e não
de atos concretos relacionados à reestruturação da Eletrobras após a
desestatização.
Ao analisar o acordo produzido na câmara de Conciliação, Moraes ressaltou
que grande parte das cláusulas trata de questões estranhas ao objeto da ADIn,
como desinvestimentos na Eletronuclear, renegociação do projeto de Angra 3,
manutenção de garantias financeiras e regras societárias específicas.
Tais matérias, segundo o ministro, exigiriam prova, análise fática e apreciação
própria de ação ordinária, não de controle concentrado. Assim, declarou haver
impossibilidade jurídica de o STF homologar esses pontos, que escapam à sua
competência em ADIn.
Por outro lado, Moraes reconheceu que uma parte do acordo é aproveitável:
aquela que estabelece compensações de governança à União - especialmente o
direito de indicar membros adicionais ao Conselho de Administração e ao
Conselho Fiscal.
Para S. Exa., essa solução configura uma interpretação conforme a
Constituição, capaz de preservar a constitucionalidade do voting cap, desde que
a União tenha assegurada sua representação proporcional na governança interna
da companhia.
O ministro observou que a própria União, no curso do processo, admitiu duas
possíveis interpretações para manter a norma válida:
· aplicar o voting cap apenas às ações adquiridas após a privatização; ou
· preservar integralmente o voting cap, desde que compensado por maior
participação nos conselhos.
Moraes considerou mais adequada e estável a segunda hipótese, já aprovada
pela Assembleia Geral da Eletrobras, pois garante influência permanente da
União na gestão - ao contrário da primeira, que se perderia com o tempo.
Com isso, o ministro julgou parcialmente procedente a ADIn, afirmando a
constitucionalidade das alíneas impugnadas sob interpretação conforme: o
voting cap é válido, desde que seja assegurada à União a prerrogativa de indicar
membros ao Conselho de Administração e ao Conselho Fiscal, conforme os
parâmetros aprovados pela assembleia societária.
S. Exa. foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Edson Fachin e pela
ministra Cármen Lúcia.
· Processo: ADIn 7.385